sobre as relevâncias

hoje de manhã teve um tiroteio cabuloso em são conrado, zona sul do rio. um grupo de aproximadamente 20 homens munidos de armamento pesado invadiu um hotel e fez cerca de 30 reféns. dentre eles, os hóspedes, que ficaram trancados em seus quartos sem saber do que estava acontecendo. uma mulher morreu no caminho dos bandidos até o hotel.
aqui um vídeo feito por um morador.

não que eu tenha gostado de a zona sul ter recebido um sacode desses, mas alguns conceitos ainda me deixam um pouco atordoada.

uma vez um professor de geografia disse que o planejamento de sistemas de uma cidade era baseado na serventia das camadas da população. mais escolas públicas onde mora mais gente pobre, mais rede de transporte onde mora mais gente que precisa se locomover pra trabalhar [leia-se: servir de mão-de-obra] e mais segurança pra quem faz a economia da região se movimentar.
acho que todo mundo entende que, sendo assim, os mais abastados teriam, em tese, mais direito à segurança do que o resto de nós, literais pobres mortais.

só que tem um porém, né? pra tudo tem um porém.
quando a "bandidagem" quer manifestar insatisfação, revolta ou qualquer coisa do tipo, eles atacam o proletariado que mora no subúrbio e nas favelas, mas quando eles querem dinheiro, quando querem ser vistos, ouvidos e sentidos, eles atacam o asfalto, que é a parte que aparece no new york times, no le monde e deixa os chefes de governo com a cara no chão e a credibilidade em cheque.

se fosse uma invasão num buraco qualquer da baixada fluminense, a globo, digo, a imprensa iria lá sim, não sejamos extremistas. mas, como não teria nenhum acionista rico, nenhuma socialite aproveitando seu dinheiro desmerecido no lugar, né... o desespero no rio ia terminar antes de começar a novela das oito.

quem ficou escandalizado com todo aquele armamento, com toda aquela violência tá precisando de um heavy upgrade. nunca foi num baile funk na mangueira, nunca foi numa favela sem upp e não conhece a outra metade da laranja da cidade maravilhosa.
na verdade, tô começando a achar que a verdadeira maravilha da cidade é conseguir ser tão sedutora apesar de toda essa periculosidade. afinal de contas, violência tem em todo canto, mas o trigo do nosso joio não é páreo pra nenhum outro.

agora sou obrigada a confessar que rolou um #chicobuarquefeeling quando vi a mãe de um dos bandidos chorando na porta do hotel e dizendo que não criou o filho dela pra isso.
segue o link.

é certo que ainda teremos muitos ataques pela frente. o comum infelizmente acabou se transformando em normal e assim será por razões inúmeras que fogem ao alcance do esforço solitário de muitos de nós.
enquanto isso, a gente segue a vida e empurra o barco até encontrar um lugar bom pra atracar.


[off]
estão vindo as eleições, hein!
quem prometer que vai acabar com a violência tá mentindo.
votou no eduardo paes, não votou? então fique feliz pelo fato de a cidade estar em choque e fora de ordem.


abraços.

sobre a procrastinação

já faz muito tempo que eu queria falar sobre isso, mas me parece clara a razão de não ter feito isso antes quando percebo o título que dei ao texto antes de conhecer o que ele traria [porque só sei fazer assim: título > texto].

esse negócio de "não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje" é uma expressão que eu não gosto. sempre me deixa decepcionada comigo mesma e ninguém em sã consciência gosta dessa sensação.
é complicado porque eu sempre tento fazer diferente, mas até resposta de e-mail acaba procrastinada. eu leio, penso na resposta e fecho a página pensando inocentemente que, numa ocasião próxima, eu vá voltar pra responder, nem que minimamente com um monossílabo qualquer, mas nem isso.

mas, caríssimos, pior que procrastinar atitudes banais é procrastinar coisas que, de fato, fazem diferença. e essa, modéstia a parte, é minha especialidade.

[achei o texto guardado nos rascunhos. datava de 2008!]

sobre ontem

ontem eu ganhei um novo caderno de colorir.
o velho tinha uns rabiscos, umas orelhas e até uns desenhos borrados, mas era o meu caderno. era o caderno que eu gostava.
nesse novo eu só vejo linhas e espaços, sem nada atrativo.
não reconheço nenhum personagem e, na verdade, mal toquei nele.

todos falam sobre desapego, mas cada página do velho tinha algum significado pra mim. cada linha borrada, cada espacinho que eu deixei em branco [e até me arrependo de ter deixado uns espaços em branco... eram lugares de traços fortes e necessários]. alguns desenhos eram tão intensos que se reprisavam no verso da página e se repetiam na folha seguinte! e cada rosto desenhado, cada gesto... era tudo meu. agora eu o perdi, e tudo que terei dele é o que minha cabeça será capaz de guardar.

o novo caderno ainda tá dentro da minha mochila. abri uma vez pra saber do que se trata, mas é só um caderno.
todos vão dizer que eu vou ter boas lembranças do antigo e vou conseguir gostar desse, talvez até mais do que gostava do antigo. e eu sei que isso pode até ser verdade, porque o caderno que eu tinha antes do último parecia ter os desenhos mais perfeitos e as cores mais bonitas. hoje os contornos dele estão cada vez mais frágeis e eu dificilmente lembro do primeiro desenho.

a verdade mesmo é que esse último foi especial. eu coloria os desenhos dele por retribuição. as cores saiam dele e iluminavam tudo o que eu tinha. mesmo quando ele ficava guardado, eu conseguia reproduzir cada traço onde quer que eu estivesse.
os contornos dele ampliavam meus passos. eu andei pelos lugares mais bonitos que eu já vi.

é claro que eu gostaria de ter meu caderno de volta, mas fatos são fatos. talvez eu acabe gostando do próximo antes mesmo do que eu espero.

mas o antigo já era tão meu, já tinha tantas coisas que marcavam quem eu sou... a porta nem precisa ficar aberta pro caso dele voltar. foi nele que eu desenhei as chaves.

-

1.1.1.
acabou quando se tornaram 3.

sobre ser quem se é

hoje eu tava assistindo na tv um programa que falava sobre cabelo e tudo que se relaciona. queda, aplique, higiene, tratamentos e afins.
aí, tudo bem, programa legal, não sei o que mais.
a apresentadora tava perguntando ao especialista que tava lá se tinha verdade no mito de pintar os cabelos e isso fazer mal aos fios.
depois de ele responder, eles colocaram no ar uma matéria com uma fotógrafa - nana moraes - que disse que nunca tinha pintado os cabelos 'nem de brincadeirinha', segundo suas próprias palavras. ela é uma mulher bem peculiar: 46 anos, fotógrafa, bem magra, baixinha, cabelos bem curtos e grisalhos.
estranhamente, tudo que ela dizia me chamava muito a atenção. talvez pela casualidade nas palavras ou pelo desinteresse em agradar, eu a achei super agradável e interessante ;D

ela disse que já é clássico que a figura da mulher com cabelos brancos configura desleixo, enquanto homens da linha grecin 5 são os charmosos, o aclamado tipo 'zé mayer'.



explicou que seus cabelos brancos eram uma forma de se manter conectada com seu já falecido pai, que tinha também seus fios descoloridos pelo tempo.
outra coisa que eu achei bem legal é a relação que ela mantém com o trabalho frente a sua própria vaidade. disse que como ela trabalha com a vaidade dos outros, ela deixa a dela se limitar a isso. sua vaidade é não ter vaidade.
no fim da entrevista, ela disse que muitas pessoas já fizeram a esperada sabatina de perguntas: 'por que não deixa o seu cabelo crescer?', 'por que não pinta?', 'por que não coloca silicone?' e, a resposta não poderia ser mais imbatível 'porque aí não sou eu, né?'

eu pensei muito na entrevista. não exatamente na entrevista, mas no que eu captei dela.
pra nana ser essa mulher peculiar, ela teve que contrariar todo um molde, uma classificação já pronta pra usar desde que o mundo é mundo.
o que eu fiquei pensando mesmo é no quanto é difícil ser quem a gente quer ser.
não é muito difícil que um executivo qualquer que trabalha hoje num escritório usando terno e gravata e mencionando palavras sérias pra se fazer entender por aí, no fundo quisesse ser um desses motoqueiros que andam com aquelas motos gigantescas, tatuagens cobrindo 75% de seu corpo, bandanas do metallica, óculos escuros e barbas que serviriam de ninho pra qualquer águia de bom porte.

ser o que se quer ser não se trata só de escolher uma profissão, um meio de vida. se trata de você se permitir reagir do jeito que acha certo, se vestir como te agrada, comer o que você gosta, mesmo quando todo mundo faz cara de nojo.

mas, sim, voltando.
depois da entrevista, assisti 'dan in real life' [no brasil, 'eu, meu irmão e nossa namorada'] e, como eu ainda estava com essa questão existencial na cabeça, eu desconsiderei o desenrolar do filme [que é bem água com açúcar, mas bom, eu indico] e fiquei pensando ainda sobre a mesma coisa. o dan [o steve carell que fez. e fez muito bem] só me ajudou a reforçar tudo o que eu tava pensando antes.
ele é viúvo, pai de 3 meninas e tenta lidar com a independência que elas alcançam sem muito sucesso. num feriado com a família, ele conhece e se apaixona pela namorada do irmão sem saber que ela é quem é, depois passa o filme todo tentando lidar com esse rolo.



olha aí o mesmo problema de novo!
a dificuldade de dizer quem se é, o que se quer.
se fosse simples, ele chegaria pra família toda e diria 'gente, seguinte: eu conheci a marie [o nome dela é marie] sem saber que ela namora meu irmão, mas acontece que eu tô apaixonado por ela, ela por mim e... é isso! vamos ser felizes juntos. beijão, hein!', mas eu acho que o pessoal não ficaria muito satisfeito, especialmente seu irmão.

eu não vou conseguir concluir isso muito bem porque eu acho que não existe conclusão sobre esse tipo de pensamento.
seria uma hipocrisia enorme se eu dissesse 'vamos lá, sejam quem vocês quiserem ser e não se importem com o que as pessoas vão achar' por uma razão pequena: eu também não sou assim :)

se alguém tiver coragem de ser 100% do que é às escondidas, parabéns.
das duas, uma: a pessoa é tão medíocre que ser 100% dela mesma não é ser uma aberração ou ela realmente tem coragem e certamente terá muita história pra contar pros netos.

abraços.

sobre a morte

sim, a morte.

mais uma tarde normalmente cansativa de volta da faculdade pra casa. tudo dentro da normalidade. do nada, eu olho pra frente e vejo um policial pedindo ao motorista do ônibus onde eu estava que parasse. outros policiais estava retirando um corpo da pista central [a pista estranhamente seca, sem sinal de sangue ou qualquer outra coisa que possa sair do corpo de uma pessoa recém morta].

o fato mais estranho não se limitava ao estado da pista, mas ao comportamento das pessoas que estavam na calçada onde o corpo foi colocado [já ensacado].
muita gente saindo do trabalho, muita criança voltando da escola, muita gente que parecia morar na redondeza. todos deram um jeito de sair de perto do corpo, mesmo que isso significasse cair em plena avenida brasil em horário de rush.

pensando em toda essa aversão, eu comecei a lembrar de como a tradição da morte é vista em lugares como o méxico. não é que se celebre o fato de uma pessoa morrer, mas é nítida a compreensão de que a morte é parte do pacote e eles celebram. e a diferença cultural não é tão sem fundamento como se pode imaginar. esse entendimento se baseia no cristianismo: nascimento, morte e ressureição.



deixando de lado quem compreende e quem não compreende [e, por favor, que eu não seja tomada como insensível por compreender a morte. até porque, certamente chorarei a morte de entes queridos], é fato que existe a necessidade de mencionar que a ideia sobre a pessoa muda de uma forma absurda!
não sei se a faculdade [de enfermagem] me coloca mais exposta a esse tipo de conclusão, mas o que eu vejo é que o cara que tá deitado na mesa do laboratório de anatomia aberto e sendo tratado puramente como um sistema, um combo de músculos, artérias e ossos não é e nunca será considerado da mesma forma que o roberto marinho foi quando morreu.

não é que eu esteja igualando os feitos de um mendigo e os um cara como esse, mas é estranho que mesmo depois de ter morrido, depois de ter contribuído da maneira que se pode para o mundo, os mortos ainda são diferenciados! são corpos, cadáveres... nada além!

e quando o morto vira santo? ou quando as pessoas esperam morrer pra lançar aquela chuva de 'já foi tarde'?
eu nunca frequentei enterros, velórios ou nenhum tipo de cerimônias do tipo, mas não foram poucas as vezes que vi situações que se encaixam nessa citação.
gente chegando em casa e falando que eu não poderia citar/culpar o defunto porque ele já não estaria entre nós para se defender.
ok, o argumento é válido, mas também me parece estranho não poder mais dizer que um o cara não prestava só porque ele morreu! é um tal de 'minha santa maezinha' pra cá... 'meu santo marido' pra lá... ai! ¬¬'

em contrapartida, tem aqueles que pagam de bons samaritanos, corretos e de boa família, mas basta a pessoa morrer e os podres começam a aparecer mais rápido que seus próprios vermes!
e aí, as pessoas que amavam, que devotavam, que idolatravam começam a querer colocar o cidadão na cruz já depois de não poder confirmar se os ditos são verdadeiros!
ê, mundinho!

e eu gostaria de entender porque é que a morte é assim tão temida. será que é só pelo fato de não conseguir tempo suficiente para fazer tudo que se quer? será que é por medo de doer? de ir para o inferno? de não ter onde cair morto?
e o medo dos mortos? se já foram vivos um dia e conversavam, por que temer quem tanto se gostava?

dia desses aí morreu o michael. um alvoroço!
não que não tenha sido merecido, era o reconhecido e aclamado 'rei do pop', mas daí a fã chorar como se chora a morte da própria mãe?
daí a ganhar mais dinheiro com a morte do que com a vida?
daí a achar que nada mais tem sentido, que o mundo está perdido e que não vai trabalhar porque michael morreu?

calma lá, estão querendo me fazer de sem coração quando me parece que o mal que tenho é sensatez!
eu pensei muito antes de terminar e publicar isso, porque não foram poucos os que me acharam insensível demais, mas é assim que eu penso, vou fazer o quê?
como disse a sábia titia penha, 'todo mundo vai morrer!'

abraços.