sobre pais e filhos


Hoje eu vi uma mulher na rua dirigindo uma moto sem capacete. Primeira coisa que veio à minha cabeça: "Mas que irresponsável! Bate um carro qualquer e é mais uma pseudovítima do trânsito!" Depois eu resolvi olhar o resto. Tinha um moleque que, pela forma do corpo, mal encerrava 14 anos. Ele, sim, usava capacete. Não deixei de imaginar o óbvio: se tratava de mãe e filho. Naquele exato momento, quase 18h, ruas cheias de gente chegando cansada do trabalho, crianças despreocupadas andando entre os carros e tudo que mais existe nas ruas comuns, minha cabeça (que já é dada a distanciar começo e fim de história) danou a me questionar sobre os cálculos que fazem as pessoas que decidem ter filhos. Vou explicar. Talvez também me ajude a entender.

Antes de qualquer pensamento extensivo, me ative ao que existe de mais básico: a fórmula. Meio pai, meio mãe.

Se reproduzir é o que se pode ter de mais generoso, afinal de contas, investe-se tempo, dinheiro, atenção e princípios em uma pessoa que não vai retribuir integralmente. É uma peça moldada para dar de presente ao mundo.
Se reproduzir é o que se pode ter de mais egoísta, afinal de contas, é uma parte sua, que você fez de propósito, acreditando que a própria existência merece ser replicada (porque não há pais que assim se façam porque acreditam ser tão medíocres e imutáveis que precisem de uma segunda edição) e acreditando que o próprio gosto é digno de habitar outra pessoa (porque também não há pais que permeiem os filhos com gostos que não sejam seus. Ainda que não repassem tudo de si, não existem meios de repassar a outro coisa qualquer que não exista em si mesmo).

Meio bom, meio ruim? Meio certo, meio errado? Meio pai, meio mãe. Justo.

Pensando na pessoa já formada, limitada nos próprios hábitos, custo a entender a dimensão do apreço que se sente por ela. E não custo a entender porque o coração ama pouco. Acho que ama até demais. Custo a entender porque nunca estive no papel de amante de filho. Só sei como é ser filha amada, cuidada, protegida. Não acredito que se saiba como é enquanto não se vive.

E falando em viver, ouvi há muitos dias aquelas coisas que nossa cabeça insiste em guardar. Ouvi uma mãe dizer que não morreria por seu filho, mas que viveria por ele. E, olha, eu acho que viver é, de fato, coisa bem maior.

Não consigo ver correção em reproduzir só por número, só por hábito, só por experiência. Precisa de muito desprendimento pra conviver com as contrariedades de "si mesmo" em outra pessoa.

sobre os altares

Me peguei pensando num altar. Sabe, altar desses cheios de detalhes cautelosos? Cautelosos e denunciadores, confessando bem alto todo aquele zelo guardado no meio das rendas.

E é trabalho sem fim, porque cada flor é uma que outra não pode ser. Minúcia reprisada enjoa. E, se é pra pôr no alto, onde todo mundo enxerga, que seja bonito como um devaneio.

Corta e lixa, pinta e borda, faz e acontece.

"O trabalho enobrece o homem", disse a célebre frase, toda cheia de si.

E, de tão cheia de si, me deu o que lhe era sobra, aí eu entendi que mais importante que fazer pelo objeto, é fazer pelo verbo. Só consigo pensar que se coisa qualquer faz pensar mais no 'o quê' do que no 'como', os escrúpulo ficam fracos. E não tem jeito de bater palma pra escrúpulo que bambeia diante da própria força.

Agora, altar pra quê? Pra quem? Por quê? Ainda existe nesse mundo coisa que mereça dois olhos fincados pra cima? E quando a gente cisma de imaginar, não é pra cima que os olhos teimam em ir? Aí, eu já acho que altanear (essa palavra existe? A-L-T-A-N-E-A-R. Se não existe, deveria.) é coisa de quem deseja com tanta força, que bota existência no que queria que já tivesse.

sobre as religiões (2)

Com a palavra, Leonardo Chevitarese:

sobre os direitos

Ir e vir, falar, crer, gostar, praticar... direitos assegurados por lei em função dos mais diversos assuntos como religião, sexualidade, opinião, música e tantos outros.

O direito de expressar a opinião, no entanto, me parece o mais importante, uma vez que a palavra é eterna e, é justamente esse direito o causador de tanto transtorno no passado e ainda vem causando hoje. A aporia aparece porque, afinal de contas, o mesmo direito que causa tanto estrago também produz coisa boa. Muitas campanhas magníficas se fortaleceram e tomaram contornos de realidade graças ao verbo, e que assim seja por muito tempo, especialmente quando visível o crescimento da tecnologia que faz cada vez mais pessoas saberem de cada vez mais coisas em cada vez menos tempo.

Pois o que me trouxe às palavras hoje foi não somente uma declaração estúpida que desmerece o tão aplaudido direito ao livre falar, mas também uma crítica muito bem feita, limitada numa parcialidade tão tênue que eu acho que pode até não existir.

Lendo a matéria, qualquer coisa que eu diga vai soar corretamente redundante, mas não vejo motivo nenhum para me privar de qualquer exagero de reação quando vemos tamanho exagero em ignorância.

Achei oportuno publicar sobre isso justamente por ter relação com o que eu havia dito antes sobre as múltiplas faces da religião e sua ação moldadora, mas, diante disso, não me embaraço de forma alguma em dizer que abro mão de qualquer opção religiosa por saber que isso diminui a lista de elementos comuns com os fanáticos que se multiplicam vertiginosamente.

Não é difícil perceber que, tão perigoso quanto eleger pessoas que pensem demais a ponto de se beneficiarem do poder público, é eleger pessoas com habilidades cognitivas visivelmente debilitadas, porque é a única justificativa para admitir esse tipo de posicionamento.

Outra preocupação é perceber que existem pessoas apoiando claramente a posição de Myrian em função tanto do respaldo religioso como em função da real partilha dessa ideia grotesca.

Pouco mais precisa ser dito. A matéria foi felicíssima e tudo saiu da maneira como deveria.

sobre as religiões



"As orações e os deuses também variam, mas o alívio que eles trazem vem do mesmo lugar".

Foi pensando nesse trecho da música de Gabriel, O Pensador que eu me dei conta de nunca ter escrito nada a respeito da minha visão espiritual do mundo.

Eu cresci aprendendo que o catolicismo era a chave, era a religião mais leve, que mais tinha a ver com o real propósito do cristianismo porque tinha menos julgamentos e doutrinas. Aí eu saí e vi o mundo, vi outras religiões aqui no Brasil, vi outros países com suas próprias religiões, pensei, repensei e cheguei às minhas conclusões.

Hoje eu acredito que existe uma força superior que rege tudo que é vivo e, parte dessa crença é vestígio da criação católica. Por acreditar nessa grandeza, eu não consigo conceber que ela se manifeste somente de uma forma, que caiba numa religião com nome e sobrenome (ultimamente, também com CNPJ). Acreditar nisso é assinar que o pós-morte é uma categoria excludente, que essa esfera só comporte os hindus, ou os evangélicos, ou os índios, ou os espíritas, muçulmanos... Pensando com aproximação, uma religião acaba condenando as práticas que compõem os pilares de alguma outra. Cada uma impele as pessoas a pensarem de uma forma que não faz sentido para as demais.

Mesmo percebendo essa excludência, é fato que a religião tem um caráter louvável, que estabelece controle e pacificação entre as pessoas (ainda que existam as guerras santas em contrapartida). A maioria das religiões prega que se viva bem e que se faça o bem. Em contrário, Alá envolve as pessoas em lençóis de fogo e Jesus diz a quem quiser ouvir que não nos conhece e nos entrega ao inferno para sacrifício eterno. De qualquer forma, as práticas prejudiciais são sumariamente condenáveis, o que torna a convivência facilitada por um sistema simples de compensação: "Se eu agir bem, vai ficar tudo bem comigo, eu vou pro paraíso e minha alma será envolta por uma luz alva e infinita quando meu corpo perecer."

Há quem se revolte com esse sistema porque é o clássico manuseio de massas populares, mas eu não tenho nada contra. Qualquer ação que provoque a prática do bem tem minha aprovação instantânea. E, pensando em quando a vida começa, esse tipo de comando funciona. Toda criança já ouviu que o Bicho Papão, o Velho do Saco ou o Monstro do Lago Ness apareceria pra tirar satisfação caso não comesse toda a comida ou não recolhesse os brinquedos.

Aprendi a respeitar as escolhas das pessoas, mas me sinto muito mais em paz percebendo que a escolha religiosa é apenas uma possibilidade.

Fazer o bem é bom pra todo mundo. E nada mais importa.

sobre outros sonhos

Hoje o Sol amanheceu apagado e pediu à Lua que assumisse o turno.
Todas as outras coisas acharam que, por bem, deveriam contrariar os hábitos e embravecer com sua própria natureza.

A amarelo ataca os olhos com um azul anil denso e profundo. Queria que você percebesse que, de perto e de longe, essas curvas estão retas e pontiagudas.
Olha pra cima e vê o tanto de peixe que tem atravessando as nuvens!
As mulheres ganhando colares de grafite e as crianças apontando lápis de diamante;
Os astronautas todos saindo pro trabalho embalados em escafandros.
Daqui dá pra ver um táxi inglês destro atravessando a esquina onde o vento se encurva com força e mantém as folhas inertes.

sobre as loucas

Hoje à tarde eu parei pra fazer uma coisa que eu não fazia há tempos: sentei no sofá e liguei a tv.
Eu poderia dedicar meu tempo às minhas leituras [atrasadas], poderia ver um dos tantos filmes que venho baixando ao longo dos últimos dias, poderia dormir, ver qualquer besteira na internet, sair pra beber... mas sentei pra ver tv.

Como nada é acaso, zapeei e encontrei Marília Gabriela numa conversa já engatada com Fernanda Young.
Há alguns meses, comecei a seguir a Fernanda no Twitter, mas me tornei uma seguidora sem sucesso por não conseguir achar nas palavras dela qualquer coisa que me despertasse interesse.

Na verdade, eu ainda não tenho interesse em muitas coisas que leio [não somente] no Twitter, mas leio mesmo assim. Parte dessa insistência é puro convencionalismo, enquanto outra parte é saber/imaginar como essas pessoas são fora desses 140 caracteres e me agradar disso.

Pra minha total surpresa, a conversa com a Marília não me incomodou a ponto de "dar unfollow" na entrevista e continuei assistindo. Num determinado ponto, Fernanda soltou um fluxo de pensamentos que eu não esperava que fosse convergir comigo, não pelo fato de ter saído de uma pessoa com quem eu não percebesse nenhum ponto em comum, mas pelo fato de ainda não ter percebido em mim aquele mesmo fluxo. Eu não tinha base pra me identificar com qualquer pessoa que falasse daquela forma porque não sabia que o meu pensamento cabia naquelas palavras.
Vou confessar que esse tipo de descoberta me causa simpatia imediata, mesmo que por interesse.

O trecho da entrevista que me fez despertar segue aqui e começa mais ou menos aos 9 minutos, mas não acredito que assistir à entrevista completa possa ser perda de tempo.

"Eles amam as loucas, mas vão se casar com as outras. Ele não vai me querer porque lá pelas tantas, a minha excentricidade, a minha maluquice , aquilo tudo que nem eu vejo em mim porque não é proposital [...] a mulher da média, do gosto médio, aquela mulher que não vai causar nenhum ruído, nenhum estardalhaço chegando num ambiente, ela vai me tomar a pessoa que eu amo."



Assumir inseguranças é uma coisa que nunca foi meu ponto de destaque, muito pelo contrário, mas esse tipo de pensamento chegou a mim como um fósforo entrando em combustão, então qualquer orgulho perdeu seu lugar.

Minha mãe acha que eu me visto mal, minhas irmãs me acusam por não usar salto alto e eu resolvi usar dreads no cabelo.
Isso nunca me importunou de verdade, mas eu tenho noção de que esse tipo de perfil não é exatamente atraente. Além disso, já tô careca de ver vários amigos interessantíssimos se juntando com essas mesmas mulheres do gosto médio.

Parece até que a questão toda é afetiva/sentimental, mas não é. A figura torneada da mulher de propaganda de margarina é segura, e não dá pra culpar as pessoas por quererem segurança.

O que consola é saber que qualquer pessoa que se disponha a qualquer tipo de relação com uma pessoa que escapa do comum também é uma pessoa fora do comum.

sobre as revisões

eu tava lendo uns posts num blog masculino agora e me dando conta de que os homens e as mulheres acabam sendo muito semelhantes dentro de suas diferenças.

ser específica, nesse caso, me conferiria também ser explícita e ninguém aqui precisa disso, mas o que, de fato, me colocou essas palavras nos dedos é que eu hoje, agora, descobri que é plenamente natural confundir uma revisão com um arrependimento.

a cada ato que a gente executa, executamos com ele alguns erros que a gente julga como obrigatórios. isso quando a gente percebe que tá errando, porque quase sempre achamos que tudo é parte do pacote e que os pontos negativos estão inseparavelmente atrelados à situação.

se dar conta de que a gente agiria diferente em determinadas situções não nos faz arrependidos [arrependimento de verdade é voltar à cena do crime e refazer os passos em falso]. o que eu classifico como revisão, meus amigos, é a capacidade de perceber as falhas e revertê-las em acertos nos próximos capítulos, em lugares diferentes, com personagens diferentes.

e, convenhamos, "arrependimento" tem uma carga tão mais pesada!
"revisão", além de ser mais leve, dá a sensação de autoavaliação consciente e positiva.

é isso.

sobre as introspecções

já é a segunda vez que "divã" me deixa pensando na vida.
e eu acho que esse é basicamente o princípio do filme. pelo menos esse efeito dá eficiência ao nome.

eu sempre fui particularmente contra a introspecção, - motivo pelo qual não consigo deixar de nutrir um rancor saudável contra algumas obras da lispector - e esse filme nada mais é que uma introspecção mediada e assistida, mas eu também não me sinto no direito de negar o humor e a graça do filme, mas a ideia ainda não me convence.

todo mundo diz que quando a gente perde 10 minutos pra organizar, a gente ganha não sei quantos mais pra viver sem impecílios. isso me parece exatamente o princípio da introspecção. você passa um tempo "mínimo" [em muitos casos, contínuo] refletindo em favor de uma vida organizada depois, certo? não!

além de ser uma prescrição totalmente arbitrária, é a negação da razão maior do engrandecimento dos seres humanos: o erro!
aí eu chego à conclusão de que não é loucura pensar que a introspecção é, na verdade, um erro dentro de outro erro. é se enganar dentro do próprio engano pra achar que tá sendo verdadeiro, porque você tá lá se revendo, se reavaliando achando que tá ganhando por reconstruir alguma coisa que você acha que vai falhar em algum momento da sua vida, mas, se reconstruindo ou não, você vai falhar em algum momento da sua vida. sabe o que é pior? vai falhar muito. sabe o que é pior ainda? essa sua reconstrução não só não impede o erro e promete de forma inverídica que vai te poupar tempo como é em si um gasto imperdoável de um tempo precioso que você poderia gastar errando sem se preocupar com reconstrução nenhuma!

eu ainda prefiro não viver à margem. a gente sempre acha que vai dar tempo de passar a caneta sobre o rascunho, mas ninguém sabe quando o tempo vai acabar, cara! será que ninguém mais vê?
eu acho muito desperdicioso [essa palavra existe? d-e-s-p-e-r-d-i-c-i-o-s-o] passar a vida toda achando que pode errar agora porque vai existir segunda chance e que vamos ter oportunidade de fazer o correto na segunda,terceira, décima nona vez.

alguém pode achar que isso já é uma forma de introspecção, mas eu não acho que seja.
é quase uma espécie de metalinguagem, sei lá. é talvez esmiuçar alguma coisa que serve pra explicar, mas também não tenho certeza se é realmente isso.
eu não quero rotular, mas achei que seria importante deixar transparecer que eu tenho consciência das aparências.
é, é uma instrospecção.
dane-se.