sobre ontem

ontem eu ganhei um novo caderno de colorir.
o velho tinha uns rabiscos, umas orelhas e até uns desenhos borrados, mas era o meu caderno. era o caderno que eu gostava.
nesse novo eu só vejo linhas e espaços, sem nada atrativo.
não reconheço nenhum personagem e, na verdade, mal toquei nele.

todos falam sobre desapego, mas cada página do velho tinha algum significado pra mim. cada linha borrada, cada espacinho que eu deixei em branco [e até me arrependo de ter deixado uns espaços em branco... eram lugares de traços fortes e necessários]. alguns desenhos eram tão intensos que se reprisavam no verso da página e se repetiam na folha seguinte! e cada rosto desenhado, cada gesto... era tudo meu. agora eu o perdi, e tudo que terei dele é o que minha cabeça será capaz de guardar.

o novo caderno ainda tá dentro da minha mochila. abri uma vez pra saber do que se trata, mas é só um caderno.
todos vão dizer que eu vou ter boas lembranças do antigo e vou conseguir gostar desse, talvez até mais do que gostava do antigo. e eu sei que isso pode até ser verdade, porque o caderno que eu tinha antes do último parecia ter os desenhos mais perfeitos e as cores mais bonitas. hoje os contornos dele estão cada vez mais frágeis e eu dificilmente lembro do primeiro desenho.

a verdade mesmo é que esse último foi especial. eu coloria os desenhos dele por retribuição. as cores saiam dele e iluminavam tudo o que eu tinha. mesmo quando ele ficava guardado, eu conseguia reproduzir cada traço onde quer que eu estivesse.
os contornos dele ampliavam meus passos. eu andei pelos lugares mais bonitos que eu já vi.

é claro que eu gostaria de ter meu caderno de volta, mas fatos são fatos. talvez eu acabe gostando do próximo antes mesmo do que eu espero.

mas o antigo já era tão meu, já tinha tantas coisas que marcavam quem eu sou... a porta nem precisa ficar aberta pro caso dele voltar. foi nele que eu desenhei as chaves.

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1.1.1.
acabou quando se tornaram 3.